Juliana Pessoa
Intervenção digital sobre desenho |
A importância
de um museu não pode ser avaliada apenas pela sua condição de guardião de memórias. Sem dúvida, essa é
uma grandiosa tarefa. Contudo, ela se torna ainda maior quando levamos em conta
o fato de que, ao guardar nosso passado, o museu é um espaço privilegiado para
a projeção do futuro. Isso porque apenas quando conhecemos nosso passado é que
podemos, efetivamente, construir algo novo e, assim, deixar o futuro chegar.
Caso contrário, quando esquecemos nossa própria história, estamos condenados a apenas
repeti-la.
Ao iluminar
nossa memória, o museu amplia a nossa compreensão sobre a época e o mundo em
que vivemos e, assim, projeta nosso olhar para frente, para o novo, para a
superação do presente em busca de seu futuro legítimo. Somente assim é
possível, de fato, fazer história e
não simplesmente repeti-la. A memória que um museu guarda não é algo
particular, relativo apenas a um indivíduo ou grupo restrito, mas se trata de
algo que é comum a todos nós. Essa memória fala diretamente a nossa humanidade,
nos ensinando os caminhos, as peripécias e vicissitudes que nos conduziram ao
longo da história até os dias de hoje, construindo os sentidos das coisas – a
nossa compreensão de mundo.
Desse modo,
quando visitamos um museu não estamos aprendendo sobre algo ou sobre uma
determinada época, mas sim sobre nós mesmos, sobre nossa condição humana. Por
esse motivo um museu é lugar de fortalecimento de laços sociais, de construção
de um sentido de comunidade, onde experimentamos nosso pertencimento à história
e podemos despertar para a necessidade de sermos, nós mesmos, pontes para o
futuro – criadores de um novo amanhã.
Nesse
sentido, o Museu Capixaba do Negro “Veronica da Pás” marca a presença da
história e da memória dos povos africanos, negros e afro-descendentes. Isso não
significa que seja um museu exclusivo para a população cuja cor da pele é negra.
Essa história diz respeito a todos nós, brasileiras e brasileiros, à medida que
a formação cultural e intelectual de nossa nação é mestiça: indígena, africana
e europeia.
No entanto, apesar
disso, muito cedo ainda foi sendo construído um sentimento de vergonha em
relação a nossa mestiçagem. Seria ela a causa de nosso subdesenvolvimento, da
inferioridade de nossa nação, da degeneração de nossa cultura. Assim, ao longo
de nossa história, trouxemos imigrantes europeus para, dentre outros fins,
embranquecer a pele do Brasil, que, para terror de nossa elite, corria o risco
de se tornar um país majoritariamente negro.
Além do
problema da pele, havia outro ainda mais perigoso, a ameaça cultural e
religiosa de matriz africana, cujos primitivismo, paganismo e fetichismo
poderiam arruinar de vez nossa nação. Tratava-se de uma ameaça tão grave, que
passou a ser tratada como caso de polícia. Assim, por exemplo, os terreiros de
candomblé foram atacados, seus objetos confiscados e/ou destruídos em praça pública
e seus membros presos, espancados e/ou assassinados. Um caso célebre foi o
Quebra de Xangô, que ocorreu em 1912, em Alagoas, quando a polícia, juntamente
com uma multidão enfurecida destruíram, com extrema violência, cerca de 30
terreiros de candomblé, em apenas uma noite.
Consequentemente,
essa vergonha de nossa ancestralidade africana ajudou a construir, por um lado,
um “esquecimento” sobre a história e a memória do negro em nosso país; e, por
outro, um ódio contra essa população, que se manifesta por meio do racismo, do
preconceito, da discriminação, que podem ser facilmente comprovados quando
analisamos os dados que, ainda hoje, apontam as populações negras como mais sujeitas
à pobreza, à evasão escolar, ao subemprego, à violência policial, ao
aliciamento do crime, etc.
Tudo isso
serve para mostrar a importância do Mucane devido ao seu papel de guardião da
memória e da presença africana, negra e afro-descendente no Brasil e no
Espírito Santo. O Mucane atualmente é um importante centro de referência não
apenas da população negra, mas de todos nós, membros dessa nação mestiça,
indígeno-afro-eruopeia.
Dito isso,
podemos afirmar: todo dia é dia da consciência negra no Mucane. O museu conta
com uma arquiteura extraordinária. Possui auditório, biblioteca, anfiteatro, um
amplo pátio interno e várias salas, onde são desenvolvidas uma série de ações
educativas. E também um amplo salão, que recebe exposições de arte. Todas as
atividades do museu, oficinas, palestras, reuniões, espetáculos, exposições,
ações educativas, buscam afirmar e promover a memória e a história do negro,
bem como enfrentar e superar o racismo no Brasil e no Espírito Santo.
Para comemorar
o mês da consciência negra, o Mucane decidiu prorrogar a exposição “oba: entre
deuses e homens”, de Juliana Pessoa. A exposição apresenta uma série de 55
desenhos, feitos com carvão e giz sobre papel. Os desenhos são baseados nas
fotografias de Pierre Fatumbi Verger, que registrou imagens dos candomblés da
Bahia e da África; e também nas fotos do Programa Africanidades, do Núcleo de
Estudos Afrobrasileiros da UFES, que retratam os zeladores de terreiros de
candomblé da Grande Vitória.
Sacerdotisa de Exu |
Ao longo do
salão, estão exposto desenhos das várias divindades que compõem o panteão do
candomblé, de Exu a Oxalá, de Nanã a Iemanjá. Em seu centro, estão reunidos os
desenhos de alguns zeladores da Grande Vitória, que, em sua maioria, são também
lideranças políticas em suas comunidades, com forte atuação na área de direitos
humanos e educação. Com o título “oba: entre deuses e homens”, a exposição presta
uma homenagem a grandeza dessas pessoas, que guardam a memória de nossa
ancestralidade africana.
Carlos Henrique Januário, Babalorixá Oya Daokole |
A mostra, que
já foi visitada por mais de duas mil pessoas, fica em cartaz até 04 de
dezembro. Dezenas de escolas já participaram do programa educativo, que conta
com uma equipe de mediadores para receber e acompanhar as turmas ao longo de
sua visita à exposição, a fim de ampliar e aprofundar a experiência. Para
agendar a sua visita, é só ligar para: 3222 4560.
Visita da Escola Judith Góes, de Ponta da Fruta, ao Mucane |
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