sábado, 25 de abril de 2015

A guerra do fim do mundo

Trecho de entrevista de Mario Vargas Llosa concedida ao programa Roda Viva

Juliana Pessoa. Cemitério de Canudos. Intervenção digital sobre desenho


Jorge Schwartz: [...] Há uns quinze anos, você afirmou para a Cremilda Medina, uma entrevistadora jornalista, que você estava totalmente convencido de que o melhor livro que você tinha escrito na sua vida era A guerra do fim do mundo. Eu queria saber se essa sua afirmação é válida ainda hoje ou se aquilo foi um golpe publicitário. E também quero dizer que eu acho que, no Brasil, quem leu A guerra do fim do mundo, acho que não vai perdoar um pouco você por ter feito de Euclides da Cunha uma personagem, assim, bastante anódina.



Mario Vargas Llosa: Se tiver que escolher um livro entre todos os que escrevi, certamente fico com A guerra do fim do mundo. Para mim, foi uma aventura maravilhosa, foi muito trabalhoso escrever o livro, mas senti um enorme prazer em escrevê-lo, em fazer a pesquisa necessária, no esforço que significou para mim encontrar uma linguagem capaz de ser persuasiva para contar uma historia que não ocorria na língua em que eu escrevia, que não ocorria na minha época, que não ocorria em um país que eu conhecesse pela experiência direta. Foi um desafio literário que, para mim, é uma recordação muito bonita. Mas sei que a opinião de um escritor sobre sua própria obra é muito subjetiva e não tem por que ser mais válida que a de um crítico, que a de um leitor, não é? A outra parte da pergunta era...?

Jorge Schwartz: Sobre a forma como você retratou Euclides da Cunha.

Mario Vargas Llosa: Tenho uma enorme admiração por Euclides da Cunha...

Jorge Schwartz: [interrompendo] Não é o que parece no romance [risos].

Mario Vargas Llosa: Dediquei o livro a ele. É um livro que está dedicado a ele como uma homenagem. Euclides da Cunha não aparece no romance com seu próprio nome, aparece como um jornalista debilitado, frágil; era uma pessoa meio doente, com uma saúde muito delicada, uma pessoa que ficou cega durante a Guerra de Canudos.Euclides da Cunha não viu o que acontecia, não entendeu o que acontecia, cego pelo preconceito ideológico. Minha admiração por ele é porque foi um intelectual capaz de fazer algo que poucos intelectuais fazem: revisar suas convicções diante da experiência da realidade, neste caso os milhares de mortos. Ele foi o primeiro no Brasil a dizer: “O que fizemos? Como pudemos fazer massacre tão atroz?” E, para explicá-lo, escreve essa obra-prima que é Os sertões. Isso está mais ou menos representado no personagem do jornalista míope, que fica míope durante a guerra. Mas, ao terminar a Guerra de Canudos, torna-se um homem lúcido, um homem que aprendeu extraordinariamente a diferenciar a realidade dos esquemas com os quais um intelectual se aproxima da realidade. Sinto muito que você o tenha considerado uma caricatura de Euclides da Cunha, que é um dos escritores que mais admiro.

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