Trecho de entrevista de Mario Vargas Llosa concedida ao programa Roda Viva
Juliana Pessoa. Cemitério de Canudos. Intervenção digital sobre desenho |
Jorge Schwartz: [...] Há uns quinze anos, você afirmou para a
Cremilda Medina, uma entrevistadora jornalista, que você estava totalmente
convencido de que o melhor livro que você tinha escrito na sua vida era A
guerra do fim do mundo. Eu queria saber se essa sua afirmação é válida
ainda hoje ou se aquilo foi um golpe publicitário. E também quero dizer que eu
acho que, no Brasil, quem leu A guerra do fim do mundo, acho
que não vai perdoar um pouco você por ter feito de Euclides da Cunha uma
personagem, assim, bastante anódina.
Mario Vargas Llosa: Se tiver que escolher um livro entre todos os que
escrevi, certamente fico com A guerra do fim do mundo. Para
mim, foi uma aventura maravilhosa, foi muito trabalhoso escrever o livro, mas
senti um enorme prazer em escrevê-lo, em fazer a pesquisa necessária, no
esforço que significou para mim encontrar uma linguagem capaz de ser persuasiva
para contar uma historia que não ocorria na língua em que eu escrevia, que não
ocorria na minha época, que não ocorria em um país que eu conhecesse pela
experiência direta. Foi um desafio literário que, para mim, é uma recordação
muito bonita. Mas sei que a opinião de um escritor sobre sua própria obra é
muito subjetiva e não tem por que ser mais válida que a de um crítico, que a de
um leitor, não é? A outra parte da pergunta era...?
Jorge Schwartz: Sobre a forma como você retratou Euclides da
Cunha.
Mario Vargas Llosa: Tenho uma enorme admiração por Euclides da
Cunha...
Jorge Schwartz: [interrompendo] Não é o que parece no romance
[risos].
Mario Vargas Llosa: Dediquei o livro a ele. É um livro que está
dedicado a ele como uma homenagem. Euclides
da Cunha não aparece no romance com seu
próprio nome, aparece como um jornalista debilitado, frágil; era uma pessoa
meio doente, com uma saúde muito delicada, uma pessoa que ficou cega durante
a Guerra de Canudos.Euclides da Cunha não viu o que acontecia, não entendeu o que
acontecia, cego pelo preconceito ideológico. Minha admiração por ele é porque
foi um intelectual capaz de fazer algo que poucos intelectuais fazem: revisar
suas convicções diante da experiência da realidade, neste caso os milhares de
mortos. Ele foi o primeiro no Brasil a dizer: “O que fizemos? Como pudemos
fazer massacre tão atroz?” E, para explicá-lo, escreve essa obra-prima que
é Os sertões. Isso está mais ou menos representado no
personagem do jornalista míope, que fica míope durante a guerra. Mas, ao terminar
a Guerra de Canudos, torna-se um homem lúcido, um homem que aprendeu
extraordinariamente a diferenciar a realidade dos esquemas com os quais um
intelectual se aproxima da realidade. Sinto muito que você o tenha considerado
uma caricatura de Euclides da Cunha, que é um dos escritores que mais admiro.
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