quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

"Nós que aqui estamos, por vós esperamos"


"Diz-se que o século XX é (foi?) o século das imagens. De fato, o cinema e, depois, a televisão povoaram a imaginação de seus respectivos contemporâneos. Num certo sentido, o filme de Marcelo Masagão se propõe a dupla tarefa de verificar como uma civilização construiu-se a si própria na forma de imagens e, alternativamente, como essas imagens reconstruíram uma civilização".
Arlindo Machado, em Esse maravilhoso e repulsivo século XX



Ano de produção: 1999
Duração: 72 minutos
Direção, Edição, Produção e Pesquisa: Marcelo Masagão
Roteiro:Marcelo Masagão, José Eduardco Valadares
Música: Wim Mertens





Vida & Arte - Como surgiu a ideia de fazer ``Nós que aqui Estamos, por vós esperamos''? 
Marcelo Masagão - Na verdade, esse trabalho é resultante de uma bolsa para pesquisa que eu ganhei da Fundação MacArthur pra estudar o século XX. Inicialmente era pra ter sido feito um CD-ROM, esse era o projeto, mas no meio da pesquisa eu fiquei muito animado com as imagens que fui achando e achei que merecia fazer um filme. Foi daí que surgiu.

Vida & Arte - O filme tem tido uma recepção muito boa da crítica e tem ganho vários festivais. Você esperava essa recepção tão positiva? 
Marcelo Masagão - Não, eu não esperava e estou muito contente com ela. Tanto de crítica como de público também, que eu acho mais importante até.

Vida & Arte - O filme traz algumas inovações tecnológicas. Ele foi feito todo em computador e só depois foi passado para a película. Como foi esse processo? 
Marcelo Masagão - Eu faço uma avaliação que aqui no Brasil é ridículo você fazer filmes que custem mais de um milhão de reais. Não sou, em princípio, contra filmes caros, é porque eu acho que a gente tem pouquíssimas salas para exibir, então você fazer um filme caríssimo aqui é como você criar uma baleia numa piscina, ela morre. O preço do ingresso médio, pra um filme de três milhões, com uma média de público de 20, 30 mil espectadores, vai ter que ser R$ 100,00. Acho um absurdo isso. Então a minha produção teve um baixíssimo orçamento. Gastei 140 mil dólares para fazer todo o filme, dos quais U$ 80 mil foram consumidos só com direitos autorais. E eu fiz com um baixo orçamento porque hoje a tecnologia permite que você o faça. A placa que eu usei para editar custou U$ 2 mil, ou seja cada hora de edição saiu a US$ 1,00.

Vida & Arte - Como você estruturou conceitualmente o seu filme? 
Marcelo Masagão - Eu tenho duas coisas, dois nortes para o projeto. É muito difícil você ter um roteiro para um documentário. Em vista que você vai documentar uma coisa que você não conhece ainda, só quando você conhecê-la é que... é a partir daí que sai o roteiro. Mas isso não quer dizer que você não tem que ter nada na cabeça. Você ficar completamente a mercê do seu objeto de estudo, você pode ficar meio louco também e não sair nada. Você tem que ter alguns nortes. Eu tinha basicamente dois nortes que eu queria desenvolver no filme. O primeiro deles era a banalização da morte, que é um assunto que acho premente hoje dia. Quer dizer, permeou o século inteiro e terminou o século com esse problema ainda, cada vez a vida humana vale menos. E o outro norte que eu tinha era... não era bem um norte, mas era como eu ia contar a história. Resolvi optar em contar a História do ponto de vista de recortes biográficos de grandes e pequenas personagens. A História geralmente é vista como a história dos ``grandes acontecimentos'', dos ``grandes homens que fizeram a História'' e tal. O que não é a realidade. Atrás desses dez homens teve um batalhão de pessoas que está de um lado ou de outro fazendo a História com seus sonhos, seus pequenos defeitos, suas pequenas indagações e tal. Isso foi um grande acerto do filme, porque conta a História de um jeito diferente.

[...]

Vida & Arte - Você falou que o filme fugia do conceito clássico de documentário. Quais as inovações formais que ``Nós que aqui estamos...'' traz? 
Marcelo Masagão - A primeira diferença é que eu tirei o personagem principal de qualquer documentário, que é o locutor. Na maioria dos documentários, o locutor fala tanto que as imagens são até detalhe. Quase sempre tem um texto lá e o cara sai procurando imagem para cobrir. Eu tirei isso. Tem uma coisa que o crítico de cinema Jean Claude Bernadet disse quando escreveu sobre o filme, que a gente falava que esse século era o século das imagens. E é mentira, é o século das imagens acompanhadas de palavras. Não é a imagem pela potencialidade dela, mas sempre existe uma palavra junto, como regra, que define o que é aquela imagem, tirando toda a potencialidade que ela possa ter, no sentido de pluralidade mesmo. A palavra meio que dá uma formatada, ``olha, essa imagem é exatamente o que eu estou dizendo''. E eu tive essa preocupação de tirar isso. Eu me baseei na química: música e imagem em movimento. Isso, de cara, já faz com que a pessoa reflita muito mais.

Fonte: http://www2.uol.com.br/filmememoria/txt-opovo.htm

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