quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Os fragmentos de Heidegger sobre Paul Klee




Trad. Marcia Sá Cavalcante Schuback

 
   Esses fragmentos correspondem às anotações feitas por Heidegger em 17 folhas, algumas de formato A-5 e outras em folhas ainda menores, sem nenhuma indicação de ordem ou estrutura. Nenhuma dessas anotações encontra-se datada. Elas foram publicadas pela primeira vez por Günter Seubold, sob o título Heideggers nachgelassene Klee-Notizen, in Heidegger-Studies, 1993, n°9, p.5-12.  Segundo G. Seubold, algumas dessas anotações foram certamente escritas depois de 1956. Seubold as dividiu em três categorias: a) as citações de Klee anotadas por Heidegger; b) os títulos de obras de Klee anotados por Heidegger; c) os pensamentos de Heidegger sobre Klee e a arte moderna. Os pensamentos-fragmentos de Heidegger sobre Klee e a arte moderna foram, por sua vez, subdivididos em quatro temáticas: c.1) a relação com o ensaio de Heidegger sobre a Origem da Obra de arte (1935/36); c.2) a arte de hoje; c.3) a posição especial de Klee: plasticidade, trazer à tona; a relação com Cézanne e a “arte” oriental; c.4) a metamorfose da arte.   
     A presente tradução buscou destacar os fragmentos de Heidegger citados por Seubold, na edição mencionada, a fim de proporcionar ao leitor de língua portuguesa o seu caráter de notas e fragmentos. Alguns trechos do artigo de Seubold foram traduzidos integralmente como a referência de Heidegger ao ensaio sobre a Origem da Obra de Arte de 35/36 e a proposta interpretativa de Seubold. As passagens de Paul Klee anotadas por Heidegger não foram traduzidas. Elas são passagens bem conhecidas de, sobretudo, dois textos, a Confissão Criadora e a Teoria da Arte Moderna.


I) As anotações de Heidegger que relacionam Klee ao ensaio sobre A Origem da obra de arte e a “arte passada” (die gewesene Kunst) – texto de G. Seubold

    Nessas notícias sobre Klee fica claro – o que já se evidenciara amplamente nas notas marginais ao ensaio sobre a Origem da obra de arte (Cf GA 5) que Heidegger submete esse ensaio a uma crítica imanente, ou seja, interior a um caminho de pensamento. Ele escreve nessas notas que esse ensaio ”geschichtlich denke – die gewesenen Werke”, pensa historicamente – as obras passadas (o ter-sido da obra). Ele diz ainda:
Nicht mehr das Erstellen von Welt und das Herstellen von Erde, wie im Kunstwerkaufsatz thematisiert, sei der zukünftigen Kunst aufgegeben, sondern das ”Erbringen des Ver-hältnisses aus Ereignis der Fuge”.
” À arte futura não cabe mais a ex-posição de mundo e a dis-posição da terra, como tematizado no ensaio sobre a obra de arte, e sim o “trazer à tona da re-lação a partir do acontecer-apropriador da con-junção”.
Trata-se para Heidegger, portanto, do ”pensar atrás” (cf. GA 65, p. 73) das categorias do ensaio sobre a obra de arte para o acontecer-apropriador.
    Enquanto que, no ensaio sobre a obra de arte, Heidegger procurou na arte ocidental um aliado na luta contra a metafísica – e acreditou tê-lo encontrado – e assim ter pretendido proteger a arte ocidental das usurpações conceituais da metafísica e da estética, ele agora parece suspeitar que a própria arte tem uma essência metafísica: ”a arte como tal é de essência metafísica” : Em questão agora está o nexo entre o caráter de obra e de imagem com as determinações fundamentais da metafísica: imagem - species- eidos; Obra – ergon, enérgeia – metafísica? (articulações estabelecidas no ensaio de 35/36).
Basta a perspectiva do caráter de obra? São ‘obras’ ainda possíveis?


II) Pensamentos-fragmentos de Heidegger sobre Klee e a arte moderna

‘Kunst’ als solche metaphysischen Wesens.
A ’arte’ como tal é de essência metafísica


Bildspecies- eidos
Imagem - specieseidos

Werkergon, enérgeiaMetaphysik?
Obra – ergonenérgeia – metafísica?

Reicht der Hinblick auf den Werkcharakter aus?
Basta a perspectiva do caráter de obra?

Können noch ’Werk’ sein?
São ‘obras’ ainda possíveis?

Heutige Kunst: Surrealismus= Metaphysik; abstrakte Kunst= Metaphysik; gegenstandlose Kunst= Metaphysik.
Arte de hoje (atual): surrealismo = metafísica; arte abstrata = metafísica; arte não figurativa (destituída de objetos) = metafísica.

In diesen “Hervorbringen… müssen die Gegenstände nicht verschwinden, sondern als solche zurücktreten in ein Welten, das aus dem Ereignis zu denken”
[… o que se dá é um ”trazer à tona… (Hervorbringen)”]. Nesse trazer-à-tona, os objetos não precisam desaparecer, mas recuar como tais em um mundanizar, a se pensar desde o acontecer-apropriador”.

Em relação aos quadros Der Gott des nördlichen Waldes (O deus da floresta nórdica) de 1922 e, Heilige, aus einem Fenster (Sagrado, desde uma janela) de 1940, Heidegger anota o seguinte:

Je weniger gegenständlich gedeutet – um so erscheinender, bringt die ganze Welt mit sich”.
Quando menos interpretado figurativamente (objetivamente) – mais aparece que traz consigo o mundo todo”

Em relação aos quadros Kleine Feslsenstadt (Pequena cidade da encosta) de 1932 e Harmoniserter Kampf (combate harmonizado) de 1937, Heidegger escreve:

Bezug zu Cézanne

Relação com Cézanne.
E a seguir:
Zen und “Nichts” – doch nicht um “Darstellung” von Seienden, sondern um die Hinführung des Menschen zum einräumenden Nichts.
Relação com a ”arte asiática” e seu lugar especial: Zen e nada – mas não para uma “exposição” dos entes e sim para uma orientação do homem rumo ao nada espacializante.

Klee: “Wandel der Kunst” – metamorfose da arte, ”Bildsamkeit der Welt – plasticidade de mundo.

Können noch ’Werke’ sein? Oder ist die Kunst zu anderem be-stimmt?

São obras ainda possíveis? Ou será que arte está de-terminada para algo outro?


Analogamente à metamorfose de ser (Sein) em ser          
       
, Heidegger escreve Kunst –arte – riscando a palavra com um x 



Referindo-se ao esboço Heilige, aus einem Fenster (Sagrado, desde uma janela) – Heidegger anota:

Wenn man den ’Bild’charakter auslöscht – was zu ’sehen’ – ”

Quando se extingue o caráter de imagem – o a se ver –


Heideger anota que a tarefa do pensamento é pensar numa antecipação essa metamorfose “im Sinne der Verwandlung des Seyns”, “no sentido da metamorfose do Ser”. À questão se existem sinais dessa metamorfose, Heidegger escreve a palavra “Ge-stell” , “com-posição” (armação, enquadramento) e o nome de Klee em conexão com o de Cézanne e a “arte” asiática.
A obra de Klee apresenta ou expõe “Nichts Anwesendes”, ”nada de vigente”, “kein Gegenstand”, ”nenhum objeto (nenhuma figura)”. As obras de Klee não são mais ei\do", não são ”Bilder”, imagens, mas “Zustände”, estados, situações.


Parece que Heidegger admite como essenciais, nessa metamorfose da arte, a relação (Beziehung) com a obra, o observador, pois se trata de

“Der gemässe Anblick zu finden”

 Encontrar a mirada ajustada (co-medida).



Enquanto “imagens” (Bilder) são um diante-de (contra-posto) previamente dado (vorgegebenes Gegenüber), 
a mirada (Anblick) implica o que Heidegger descreve mediante os seguintes sinais






que provavelmente designam os dois componentes da mirada, o partir da obra e o partir do observador.

  
Das Schöne – Ereignis und Erblickung
O belo – acontecimento-apropriador e ad-miração.

[Vielleicht sei die Kunst, wenn das Werk-sein in Frage gestellt ist], “in die Kehre zur Einkehr in das Ereignis gewiesen. Das Zeichen dafür -  Klee!”.
[Quando o ser-obra torna-se questão, talvez a arte] remeta-se para a virada de um adentrar o acontecer-apropriador. O sinal disso – Klee!)

“ Stimmung – Gestimmtheit. Da-sein! In-der-Welt. Welt! – Seyn?”
Disposição – estar afinado. Pre-sença! Ser-no-mundo. Mundo! – Ser?


III) Títulos de obras de Klee, anotados por Heidegger

Der Gott des nördlichen Waldes (1922) – O deus da floresta nórdica
Kleine Felsenstadt (1932) – Pequena cidade da encosta
Ruhende Sphinx (1934)– Esfinge em repouso
Büsser (1935) -  Penitentes
Harmonisierter Kampf (1937), anotado duas vezes – combate harmonizado
Gesicht einer Gegend (1938) – Rosto de uma contréa
Ernste Miene (1939) – fisionomia séria
Heilige, aus einem Fenster (1940) – Sagrado, desde uma janela
Hoher Wächter (1940) – Vigias elevados
Tod und Feuer (1940) – morte e fogo


                                                                                        

IV) O contexto da filosofia tardia: acontecer-apropriador (Ereignis), saga do dizer (Saga), voz da quietude (Stimme der Stille).

Por Günter Seubold


   Essas anotações de Heidegger só adquirem sentido no horizonte da sua filosofia tardia, pois é dela que elas se encontram imbuídas. Sem um conhecimento desse contexto, elas podem aparentar ingenuidade e provocar, por vezes, irritação.
   Essas anotações sobre Klee estão ligadas sobretudo ao contexto da palavra fundamental Ereignis, acontecer-apropriador.
“O belo – acontecimento-apropriador e ad-miração”. Quando o ser-obra torna-se questão, é possível que a arte remeta-se à virada de um adentrar o acontecer-apropriador. O sinal disso – Klee!. Quando a obra “Sagrado, desde uma janela” “traz consigo o mundo todo”, então se está entendendo por mundo a “quadratura”.
    Da mesma maneira que no ensaio A origem da obra de arte, aqui também enuncia-se a relação entre “linguagem” e “obra”. A linguagem está aqui sendo pensada como saga do dizer. No A Caminho da linguagem, a saga do dizer refere-se à quietude: “saga do dizer: mirada e voz da quietude”.
   Essa assim pensada voz da quietude não é nem “articulação sonora” nem “linguagem” mas “o afinar da voz enquanto resguardo articulador-motivador, envolvente-revolvente, destecer-acontecer da quadratura”.
   Heidegger relaciona a “disposição sintonizante” (Stimmung) da pintura de Klee com o “afinar da voz da quietude (saga do dizer), uma disposição que “deixa ver”. Essa disposição não deve ser compreendida somente como “existencial – no sentido da disposição da presença”, ou apenas como ek-sistencial, mas deve ser pensada “desde o envolver da re-lação da quadratura”
   O que Heidegger está buscando é fundamentar a “disposição sintonizante” em algo mais originário, no acontecer-apropriador (Ereignis): “Disposição – estar afinado. Pre-sença! Ser-no-mundo. Mundo! – Ser?”
     O que da voz se escuta, o audível, como também o visível e o dizível estão sempre em relação com o “inaudível”, o “invisível”, o “indizível” (no enunciado). Referindo-se à célebre passagem da Confissão criadora de Klee, “a arte não reproduz o visível, mas faz visível”, Heidegger escreve “O que? O invisível,  e de onde e como este se determina?
     Mesmo que aqui, em virtude das razões acima mencionadas, nem todas as anotações tenham sido citadas e algumas só tenham podido ser aludidas, deve ter-se tornado claro que os “trabalhos” de Heidegger sobre Klee não devem ser tratados como nexos elaborados e nem como pontos visando à publicação de aforismos determinados. São anotações que, na melhor das hipóteses, caracterizam – em relação a Klee – “lugares encontrados”. Elas podem ser uma provocação para que os “eruditos” , esses que não são suficientemente piedosos, deixem os diários de Klee falarem. Elas podem representar, em todo caso, um desafio. 



Um comentário:

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