ALGUMAS CONSIDERAÇÕES EM RELAÇÃO A PONTOS DE VISTA
CAPITAIS PARA O COLÓQUIO TEOLÓGICO SOBRE “O PROBLEMA DE UM PENSAMENTO E DE UMA
LINGUAGEM NÃO-OBJETIVANTES NA TEOLOGIA ATUAL”[1]
M.
HEIDEGGER.
Freiburg I.
Br., 11 de março de 1964.
O que
é, nesse problema, a coisa digna de questão? Tanto
quanto vejo, são três os temas que precisam ser pensados.
1. Antes de
tudo cabe determinar o quê que a teologia, enquanto um modo do pensamento e da
linguagem, tem a discutir. É a fé cristã e isso que nesta fé constitui o seu
fidedigno (sein Geglaubtes). Somente
se se ganha clareza quanto a isso, pode ser perguntado como o pensar e o falar
precisam ser considerados, de modo que correspondam ao sentido e à reclamação
da fé e de modo ainda que, assim, seja evitado que se introduza na fé
representações que lhe são estranhas.
2. Antes de
se encaminhar uma discussão a respeito do pensar e do falar ñao-objetivantes,
faz-se absolutamente necessário considerar o que é entendido como o pensamento
e a linguagem objetivantes. Com isso levanta-se a questão se todo pensamento
como pensamento, se toda linguagem como linguagem já são ou não objetivantes.
Se se mostra que o pensamento e
linguagem de modo algum já são objetivantes em si mesmos, então isso conduz a
um terceiro tema.
3. Cabe
decidir em que medida o problema de uma linguagem e de um pensamento
não-objetivantes constitui-se realmente num autêntico problema. Cabe pois
decidir, se com isso não é questionado algo que apenas incidentalmente pensa a
coisa em questão e assim desvia do tema da teologia, confundindo-o inutilmente.
Nesse caso, o colóquio que ora se realiza teria a tarefa de tornar claro para
si mesmo que ele, com seu problema, se encontra num caminho que leva a lugar
nenhum (auf einem Holzweg). Isso
seria, assim o parece, um resultado apenas negativo do encontro. Mas isso é
apenas uma aparência, pois, na verdade, teria como conseqüência inevitável que
a teologia enfim e decisivamente ganharia clareza a propósito da necessidade de
sua tarefa capital – não articular as categorias de seu pensamento e o modo de
sua linguagem desde empréstimos tomados à filosofia e às ciências, mas pensar e
falar especificamente (sachgerecht) a
partir da fé para a fé. Se esta fé, segundo sua própria convicção diz respeito
ou vem ao encontro do homem como homem em sua essência, então o autêntico
pensar e falar teológicos não precisam de nenhum dispositivo prévio e especial
para atingir os homens e neles encontrar ressonância, atendimento.
Os três temas mencionados só
poderiam ser discutidos com precisão em particular. Falando desde a filosofia,
só posso dar algumas indicações, alguns acenos, para o segundo tema. A
discussão do primeiro, o qual precisa sub-estar a todo o colóquio, caso ele não
queira vagar ao léu, é tarefa da teologia.
O terceiro tema contém as
conseqüências teológicas advindas do tratamento satisfatório do primeiro e do
segundo temas.
Agora, tento dar alguns acenos
para a consideração do segundo tema e isso apenas sob a forma de algumas
perguntas. No entanto, deve ser evitada a suspeita de que se trata da
apresentação de teses dogmáticas provenientes da filosofia de Heidegger. Não há
isso.
Algumas considerações quanto ao segundo tema
Antes de toda e qualquer
discussão a propósito da pergunta por um pensamento e uma linguagem
não-objetivantes na teologia, faz-se necessária a reflexão (Besinnung) sobre o que se entende, na
colocação do problema para o colóquio teológico, sob um pensamento e uma
linguagem objetivantes. Esta reflexão impõe a pergunta:
Serão o pensamento e a linguagem
objetivantes um modo particular do pensamento e da linguagem, ou todo
pensamento como pensamento e toda linguagem como linguagem precisam ser
necessariamente objetivantes?
A decisão quanto a esta
pergunta só se faz possível se previamente são esclarecidas e respondidas as
seguintes questões:
a) O
que quer dizer objetivar?
b) O
que quer dizer pensar?
c) O
que quer dizer falar?
d) Todo
pensar é em si um falar e todo falar é em si um pensar?
e) Em
que sentido o pensamento e a linguagem são objetivantes, em que sentido eles
não o são?
É da natureza da própria coisa
o fato destas questões se interpenetrarem no movimento da discussão de cada uma
delas. No entanto, todo o peso destas perguntas subjaz ao colóquio.
Simultaneamente, estas perguntas configuram (mais ou menos claramente e
suficientemente desdobradas) o centro ainda velado do empenho que provoca e
promove a atual ‘filosofia’, a partir de suas extremas contraposições (Carnap –
Heidegger). Estas posições são hoje denominadas: a concepção
técnico-cientificistas da linguagem e a experiência especulativo-hermenêutica
da linguagem. Ambas as posições são determinadas por tarefas abissalmente
distintas. A primeira posição quer submeter todo pensar e todo falar, também o
pensar e o falar da filosofia, à constructibilidade de um sistema
lógico-técnico de sinais, isto é, fixar todo pensar e todo falar como
instrumento da ciência. A outra posição cresceu desde a pergunta pelo que seja
a própria questão (Sache) a
experimentar para o pensar da filosofia e com isso (diese Sache), isto é, o ser como ser, há que ser dito. Em ambas as
posições não se trata, no entanto, de dominós separados de uma filosofia da
linguagem (tal como uma filosofia da natureza ou da arte), mas, antes, a
linguagem é reconhecida como o âmbito (Bereich)
no interior do qual se mantém e se move o pensar da filosofia e toda espécie de
pensar e de dizer. Segundo a tradição ocidental, a essência do homem é assim
determinada: o ser vivo que ‘tem a linguagem’ (zõon lógon échon). O homem também como ser ativo (als handelndes wesen) só é tal como
aquele que ‘tem a linguagem’. Na medida, pois, em que a essência do homem nesta
tradição é assim determinada, o que está em questão com a confrontação destas
duas posições é nada menos do que a pergunta pela existência do homem e sua
determinação.
De que modo e até que ponto a
teologia pode e precisa meter-se e comprometer-se nesta discussão-confrontação
– isso é coisa que cabe a ela decidir.
Que aqui, porém, seja feita uma
observação preliminar aos breves esclarecimentos das perguntas: a) e e),
observação esta que trás à baila aquilo que possivelmente deu lugar à colocação
deste ‘problema de um pensamento e de uma linguagem não-objetivantes na
teologia atual’. Há uma opinião do dominante e não provada, segundo a qual todo
pensar é um representar (vorstellen) e
todo falar é uma enunciação (verlautbarung)
e que enquanto tais já são ‘objetivantes’. Seguir passo a passo e em
particularidades a proveniência desta opinião é aqui impossível. Determinante
para a dominação desta opinião é a distinção, desde há muito estabelecida e não
esclarecida, entre o racional e o irracional, distinção seta que, por seu lado,
é posta a partir da instância de um pensamento racional em si mesmo não
esclarecido. Recentemente as doutrinas de Nietzsche, de Bérgson e da ‘filosofia
da vida’ foram determinantes para a afirmação do caráter objetivante de todo
pensamento e de toda linguagem. Na medida em que nós no falar (expressa ou
inexpressamente) sempre dizemos ‘é’; na medida em que ser significa presença e
na medida ainda em que esta modernamente é interpretada como objetividade (als gegenstaendlichkeit und objetktivitate)
– assim sendo, o pensar como ob-jetivar (vor-stellen)
e o falar como enunciação (verlautbaraung)
trazem consigo inevitavelmente uma fixação do ‘fluxo da vida’, em si mesmo
sempre fluente, e com isso uma falsificação do mesmo. Por outro lado, uma tal
fixação ou estabelecimento do permanente, ainda que ela falsifique, é
inevitável para a manutenção e estabelecimento da vida humana. Como comprovação
para esta opinião vigente e que aparece sob diferentes modulações, basta o
seguinte texto de Nietzsche, tomado de ‘vontade de poder’, 715 (1887/8): ‘os
meios de expressão da linguagem são inutilizáveis pra expressar o devir’;
pertence à nossa inevitável necessidade de conservação o estabelecer (setzen) insistentemente um mundo
grosseiro de permanência, de ‘coisas’, etc. – isto é; de objetos.
Os seguintes acenos às
perguntas de a) e e) querem ser compreendidos e pensados também como perguntas.
Pois mistério da linguagem, isso em que toda a meditação (besinnung) precisa se concentrar, permanece o fenômeno mais digno
de ser pensado e perguntado, sobretudo quando se revela (wenn die Einsicht erwacht) que a linguagem não é nenhuma obra do
homem: a linguagem fala (die sprache spricht).
O homem só fala na medida em que ele (corresponde) participa da linguagem (der sprache entspricht). Estas frases ao
são o produto de uma ‘mística’ fantástica. A linguagem é um fenômeno originário,
cujo próprio não se prova através de fatos, mas só se faz ver desde uma
imparcial experiência da linguagem. O homem pode inventar artificialmente
fonemas (lautgebilde) e sinais, mas
isso ele só o pode fazer em relação a uma linguagem já falada e somente a
partir desta. Também com relação ao fenômeno originário o pensamento permanece
crítico. Pensar criticamente significante: insistentemente distinguir (krínein) entre isso que exige uma nova
prova para sua justificação e isso que reclama para sua comprovação o simples
ver e tomar. É sempre mais fácil introduzir uma prova no primeiro caso do que,
no segundo, se abandonar, assim penetrando, ao ver que acolhe (sich auf das hinnehmende erbliken
einzulassen).
Para a) – o que quer dizer objetivar?
Objetivar quer dizer: fazer ou
tornar algo objeto, colocá-lo como objeto e somente assim representá-lo (vorstellen). E o que quer dizer
objetivo? Na Idade Média obiectu’
significa: isso que é lançado ou projetado de encontro ao perceber, à
imaginação, ao julgar, ao aspirar e contemplar e assim de encontro é mantido,
conservado. Por outro lado, subiectum
significa o hypokeímenon, o que a
partir de si mesmo (e não trazido de encontro através de uma representação)
está posto estendido aí (das von sich aus
vorliegende), o presente, por exemplo, as coisas. Em comparação com a
significação hoje corrente e dominante, a significação das palavras subiectum e obiectum é precisamente a contrária: subiectum é o existente por si (objetivo); obiectum o somente (subjetivo) representado (vorgestellte).
Na seqüência da reformulação (umbildung) do conceito de subiectum através de Descartes[2], o
conceito de objeto ganha também uma significação transformada. Para Kant objeto
quer dizer: o objeto (gegenstand)
existente da experiência científico-natural. Todo objeto (objekt) é um gegenstrand
(objeto), mas nem todo gegenstand (objeto) – por exemplo, a coisa em si – é um
objeto (objekt) possível. O
imperativo categórico, os costumes (das
sittliche sollen), o dever (die
pflicht) não são de modo algum objetos (objekte)
da experiência científico-natural. Quando se reflete sobre eles, se eles são
pensados na ação, eles não são por isso ou através disso objetivados (objektiviert).
A experiência cotidiana das
coisas em sentido lato não é nem objetivante e nem tampouco uma objetivação (vergegenstaendlichung)[3].
Se nós, por exemplo, sentamo-nos no jardim e nos aprazemos com a floração das
rosas, não fazemos da rosa um objetivo (objekt)
e nem mesmo algo tematicamente representado, isto é, um gegenstand. Mesmo se eu, num dizer silencioso e recolhido, estou
entregue ao vermelho luminoso da rosa e medito ou sopeso (nachsinne) o ser-vermelho da rosa, então, este ser-vermelho não é
nem um objeto (objekt), nem uma
coisa, nem ‘algo posto aí em contraposição’ (gegenstand) tal como a rosa que flora. Esta está no jardim, talvez
que ela oscile, para cá e para lá, ao sabor do vento. Ao contrário, o
ser-vermelho da rosa não está no jardim e nem tampouco ele pode balançar, para
cá e para lá, no vento. Não obstante, eu o penso e falo (sage) dele, na medida em que eu o nomeio. Há, pois, um pensar e um
dizer que, de maneira nenhuma, nem objetiva, isto é, faz coisa, e nem torna
objeto de representação temática (... das
in keiner weise objektiviert noch vergegenstaendlicht).
Na verdade, posso considerar a
estátua de Apolo no museu de Olímpia como um objeto de representação
científico-natural; posso avaliar o mármore fisicamente quanto a seu peso;
posso investigar este mármore segundo suas propriedades químicas. Mas este
pensar e falar objetivantes não vê o Apolo tal como ele se mostra em sua beleza
e como nesta beleza ele se manifesta como o olhar do deus.
Para b) o que quer dizer pensar?
Atentemos para isso que acabou
de ser exposto e então torna-se claro que o pensamento e a linguagem ñao se
esgotam na representação e na expressão teórico-científco-naturais. Antes,
pensar é a disposição (verhalten,
comportamento, empenho) que faz com que se dê para si, nisso que a cada vez se
mostra e como se mostra, aquilo o que ela tem a dizer do que aparece. Pensar
não é necessariamente uma representação (ein
vorstellen) de algo como objeto. Só o pensamento e a linguagem
científico-naturais são objetivantes. Fosse todo pensamento enquanto tal já
objetivante, e então ao configurar (gestalten)
d s obras de artes permaneceria sem sentido, pois elas jamais poderiam se
mostrar a homem nenhum, porque o homem então, concomitantemente, faria disso
que aparece um objeto e assim ficaria vedado o aparecer à obra de arte.
A afirmação segundo a qual todo
pensamento enquanto pensamento é objetivante é sem fundamento. Trata-se de uma
desatenção e mesmo de uma subestimação ou menosprezo do fenômeno e denuncia
falta de crítica.
Para c) o que quer dizer falar?
Constituir-se-á a linguagem no
fato que ela transpõe ou converte o pensado em fonemas (laute), os quais são percebidos como sons e ruídos objetivamente
constatáveis? Ou a enunciação de uma fala (na conversa, no diálogo) já não será
algo completamente distinto de uma determinada seqüência acústica de sons
objetiváveis, os quais são carregados de uma significação, e através dos quais
se fala sobre objetos? Falar, em seu mais próprio, não será um dizer (ein sagen), um mostrar diversificado
disso que se deixa dizer no ouvir, isto é, na atenção obediente ao que aparece?
Se se observa cuidadosamente a isso, pode-se ainda firmar acriticamente que a
linguagem enquanto linguagem já seja sempre objetivante? Se a um homem enfermo
se traz uma palavra de conforto e se assim lhe tocamos, em fala ou em dizer, no
seu mais próprio, - fazemos então deste homem um objeto, isto é, tornamo-lo um
objeto? A linguagem será apenas um instrumento que usamos para o
retrabalhamento e a elaboração de objetos? Estará a linguagem à disposição do
poder e do apoderamento do homem? Será a linguagem tão-somente uma obra do
homem? Ou será a linguagem que ‘tem’ o homem, na medida em que ele pertence à
linguagem, a qual antes e primeiramente lhe abre o mundo e com isso
simultaneamente abre-lhe sua morada no mundo?
Para d) será todo pensar um falar e todo falar um
pensar?
Através das perguntas até aqui
discutidas, somos levados à suposição de que há esta copertinência (identidade)
de pensar e dizer. Já desde há muito é esta identidade confirmada, na medida em
que o logos e o légein significam simultaneamente: discursar (reden) e pensar. Mas esta identidade jamais foi suficientemente
discutida e experimentada nela própria (sachgerencht).
Um obstáculo crucial oculta-se no fato que a interpretação grega da linguagem
(a sabre, a interpretação gramática) oriento-se em direção à enunciação (aussagen) sobre as coisas. Mais tarde,
através da metafísica moderna, as coisas tornaram-se objetos. Assim
instaurou-se a opinião errônea, segundo a qual pensar e falar (pensamento e
linguagem) se referem a objetos e somente a objetos.
Por outro lado, se se vê frente
a isso a estruturação orientadora, segundo a qual o pensamento faz-se sempre
como um ‘deixar-se dizer’ disso que se mostra e, em seguindo a medida deste
mostrar-se, um co-responder (dizer) frente a isso mesmo que assim se mostra –
então, tornar-se-á claro em que medida também a poesia é um dizer pensante, o
que, na verdade, não se deixa determinar em seu modo de ser próprio através da
advertência lógica da predicação sobre objetos (die herkoemmliche logik der aussage ueber objekte).
Precisamente o olhar sobre a
copertinência de pensamento e linguagem revela a insustentabilidade e a
arbitrariedade da tese, segundo a qual pensamento e linguagem, enquanto tais,
são necessariamente objetivantes.
Para e) em que sentido pensamento e linguagem são
objetivantes e em que sentido não o são?
É no campo da representação
técnico-científico-natura que pensamento e linguagem são objetivantes, isto é,
que põem algo dado como objeto. Neste campo eles são necessariamente
objetivantes, porque este modo de conhecer precisa colocar previamente seu tema
como algo com o que se pode contar, como objeto (gegenstand) causalmente elucidável, isto é, como objeto (objekt) no sentido definido por Kant.
Fora deste campo o pensamento e
a linguagem não são, de modo algum, objetivantes.
Mas hoje há e mesmo cresce o
perigo de que o modo de pensar técnico-científico se alastre por todos os domínios
da vida. Através disso fortalece-se a falsa aparência de que todo pensamento e
toda linguagem sejam objetivantes. Esta tese, que afirma tal coisa dogmática e
infundadamente, fomenta e apóia, por seu lado, a tendência fatalista de
representar tudo exclusivamente de maneira técnico-científica como objeto de
possível controle ou comando (steuerung)
e manipulação. A própria linguagem e sua determinação é atingida
simultaneamente por este processo da desembestada objetivação técnica. A
linguagem é deformada e falsificada como um instrumento da comunicação e da
informação calculista e contábil. Ela é tratada como um objeto manipulável, ao
qual o modo do pensar precisa se igualar. Mas o dize da linguagem não é
necessariamente a expressão de proposições (saetzen)
sobre objetos. Em seu mais próprio, a linguagem é um dizer a partir disso que (von dem, was...) se abre e assim fala ao
homem de diversos modos, na medida em que o homem não se fecha a isso que se
mostra. Tal fechamento pode se dar na medida em que, através da dominação do
pensamento objetivista, o homem só a este se restringe.
Que o pensamento e a linguagem
somente num sentido derivado e limitado sejam objetivantes é algo que não se
deixa deduzir cientificamente através de provas. A essência (wesen) própria do pensamento e da
linguagem só se fez visível desde um olhar despojado (vorurteilsfreien, isto é, livre de preconceitos) dos fenômenos.
É um erro pensr que ser somente
possa vir de encontro a isso que só possa se medido (errechnen) e provado objetivante, por via técnico-científica, como
objeto).
Esta opinião errônea esquece
uma palavra já há muito dita e subescrita por Aristóteles: ésti gár apaideusía tò me fignóskein tínon dei zeï zeteïn apódeixen kaí
tínon ou deï’ – ‘é uma deformação (apaideusía,
unersogenheit) não ver em relação a
que é preciso buscar provas e em relação a que isso não é necessário’
(Aristóteles, Met. IV, 4, 1006a, 6).
Uma vez feitas estas
considerações, cabe dizer o seguinte quanto ao terceiro tema – isto é, quanto à
decisão sobre a questão em que medida o tema do colóquio é um genuíno problema:
tendo por fundamento a reflexões referentes ao segundo tema, a colocação do
problema do colóquio precisa expressar-se mais claramente. Numa formulação
intencionalmente radicalizada, é preciso que esta colocação assim soe: ‘o
problema de um pensamento e de uma linguagem não-técnico-científica-natural na
teologia atual’.
A partir desta formulação
adequada (sachgerechten umformung), é
fácil ver-se que: a questão colocada não será um autêntico problema tanto
quanto a colocação do problema se oriente em direção a um pressuposto, cujo
absurdo se torne evidente a qualquer um. A teologia não é ciência natural.
Mas atrás da mencionada
colocação do problema oculta-se a tarefa positiva da teologia: no seu próprio domínio
da fé cristã, definir (eroertern) a
partir desta essência própria o que ela tem que pensar e como ela tem que
falar. Nesta tarefa está simultaneamente incluída a pergunta, se a teologia
pode ainda ser uma ciência, porque ela, presumivelmente, de modo nenhum o pode
ser, isto é, não tem o direito de sê-lo.
Adendo às considerações
A poesia pode servir como
exemplo de um pensamento e de uma linguagem (sagens) por excelência não-objetivantes.
Em ‘Sonetos a Orfeu’, I, 3,
Rilke diz poeticamente o que determina o pensamento e a linguagem poéticos.
‘Canto é existência’ (gesang ist dasein)
(Cf. Holzwege, pág. 292, sgs.; Cf.
Trad. Fr. Chemins Qui ne Mènent Nulle Part, Gallimard, pág. 258, sgs.). Canto,
o dizer cantante do poeta, é ‘não cobiça’, ‘não aliciamento’ a favor disso que,
através de empenho e desempenho humano, por fim é alcançado como resultado.
O dizer poetante é
‘existência’. Esta palavra ‘existência’ (dasein)
é aqui empregada no sentido tradicional da metafísica. Significa: presença.
O dizer poetante é ‘ser ou
estar presente junto de...’ (Anwesenbei...)
e para Deus. Presença (anwesenheit)
quer dizer: simples disponibilidade que nada quer, que não conta com nenhum
resultado. Ser ou estar junto de...: puro ‘deixar-se-dizer’ a presença da
divindade (reines sichsagenlassen die
gegenwart des gottes).
Em tal dizer não é posto e
representado algo como contra-posição temática (gegenstand) e como objeto (objekt).
Aqui não há nada que uma representação assegurante ou apropriante (ein zureifendes oder umgreifendes vorstellen)
e poderia opor, contrapor.
‘Um sopro por nada’ (ein hauch um nichts). ‘Sopro’ (hauch, bafejo, hálito) fala do inspirar
e do expirar, do ‘deixar-se-dizer’, o qual responde à aquiescência. Não se faz
necessário prosseguir com a discussão para tornar-se claro que à pergunta pelo
pensar e dizer convenientes (sachgerechten)
subjaz a pergunta pelo ser do ente que sempre e antecipadamente já se mostra.
Ser como presença (anwesenheit) pode mostrar-se em diferentes
modos da presença (praesenz). O que é
presente ou o que se presentifica (anwesendes)
não precisa ser empiricamente percebido como objeto (objekt). – (Cf. Heidegger, Nietzsche
II, partes VIII e IX; Cf. op. cit., trad. Fr. Gallimard, págs. 319-387).
Um Deus pode! No entanto, dize-me como
Um homem há de segui-lo pela estreita lira?
O sentido lhe á bifurcação. No cruzamento de dois
Caminhos do coração, nenhum templo se ergue para Apolo.
Cantar, como tu ensinas, não é cobiça
Nem conquista de algo que por fim se alcança.
Cantar é existir. Para um Deus, muito fácil.
Mas nós, quando é que existimos? E quando ele
Faz voltar para nós a terra e as estrelas?
Jovem, amar ainda não é nada, –
Embora a voz te force a boca – aprende
A
esquecer que en-cantaste. Isso se apaga.
Na verdade, cantar
é um outro sopro.
Um sopro pelo nada. Um vibrar em Deus. Um vento.
(Rilke, Sonetos a Orfeu, I, 3 – Trad. E. Carneiro Leão)
[1]
Carta de M. Heidegger, datada de 11.03.1964, endereçada a este colóquio, que
realizou-se na Drew-University, Madson, USA, entre 09 e 11 de abril de 1964.
Texto publicado em Phaenomenoloie and
Theologia, Vittorio Klostermann, Frankfurt, 1970. Publicado em Sofia, volume X, nº 13 e 14, Mito e arte. Tradução de Gilvan Fogel.
[2] Cf. Holzwege, pág. 98, sgs. – Cf. Chemins
qui ne mènent nulle part, Gallimard, p. 69-100 (L’époque des conceptions
du monde).
[3]
Isto é, um objetvar tematizante na e como representação (nota do tradutor).
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